terça-feira, 19 de janeiro de 2010


Sentiu-se expulsa da cama pelo sobressalto dos pesadelos. Depois veio aquela dormência nas pernas, percebida sempre que achava ter por segundos o dom de prever catástrofes.
O dia inteiro então foi arrastado em meio ao calor, às paredes, ao tédio e a mesma dormência insistente nas pernas. Seu corpo era dado a expressar essas coisas; por vezes, sentia um formigamento nos pés, como se estivesse sendo pedida pra partir. Em momentos como esse, acostuma-se a ter a casa vazia.
E aí surge a formidável biogênese dos universos que se criam pelos cantos. E é prazeroso este pequeno controle vindo do som, dos objetos desordenados, porém sempre tão leais; e do meio tom no ar que preserva (como se luz deixasse as portas abertas) a autonomia e pessoalidade do seu universo. Mas sim, é preciso ter em mãos qualquer asa ou escada que dê conectividade ao que se sabe existir pela lucidez e pela evidência dos fatos. Por isso o som familiar, hóspede; e as expressões emanadas do corpo, ancestrais. O que fere abriga a compreensão que inutilmente, com êxitos esparsos talvez, busca quando está tudo claro e em movimento. Pois acostuma-se também com a casa cheia, mas é preciso que esteja vazia para que o corpo usurpe a função do verbo. E o resto se faz em companhia do universo que as formiguinhas dos pés tem o poder de carregar. E com as lâmpadas, acendendo e apagando.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Ana Cristina Cesar


Estamos em cima da hora.

Daydream.

Quem caça mais o olho um do outro?

Sou eu admito vitória.

Ela que mora conosco então nem se fala.

Caça, caça.

E faz passos pesados subindo a escada correndo.

Outra cena da minha vida.

Um amigo velho vive em táxis.

Dentro de um táxi é que ele me diz que quer

chorar mas não chora.

Não esqueço mais.

E a última, eu já te contei?

É assim.

Estamos parados.

Você lê sem parar, eu ouço uma canção.

Agora estamos em movimento.

Atravessando a grande ponte olhando o granderio

e os três barcos colados imóveis no meio.

Você anda um pouco na frente.

Penso que sou mais nova do que sou.

Bem nova.

Estamos deitados.

Você acorda correndo.

Sonhei outra vez com a mesma coisa.

Estamos pensando.

Na mesma ordem de coisas.

Não, não na mesma ordem de coisas.

É domingo de manhã (não é dia útil às três da

tarde).

Quando a memória está útil.

Usa.

Agora é a sua vez.

Do you believe in love...?

Então está.

Não insisto mais.