terça-feira, 25 de agosto de 2009

Guarani, 189

Foi da terra chovida, no quintal exilado da casa de meus padrinhos, que nasceu em mim o hábito de conversar com flores.
Era eu miúda como elas, mas não tinha a maestria de quem fora parido pela terra.
Dos diálogos que travávamos, horas e horas desbotadas pelo meu dezembro-infância, lembro-me da felicidade de ser flor. Confidência delas pra mim.
Eu não me importava, no entanto, com o valor daquele segredo. Ajeitava-lhes as folhas e as pétalas, cercava-as de cuidados que acabavam por ser a minha própria felicidade posta ali, enterrando pouco a pouco a autonomia de ser flor e feliz com minhas mãos leves, mas que levavam o peso de ter deixado todos os brinquedos para trás.
Fui uma menina má. Roubava confidências e vestia-me de flor. A terra chovida fazia-se minha assim; todos os ventos, todos os cômodos e todo o exílio daqueles dezembros faziam-se meus.
Já não era a desastrosa criatura que contava nove anos.Trazia um legado de eras do mundo.

Um comentário:

  1. ressalto novamente a palavra:
    dezembro-infância

    maravilhosa transliteração.

    e sobre as flores...
    há muito.

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