segunda-feira, 30 de novembro de 2009

No caminho pra aula havia uma casa que se assemelhava a uma gaveta de gente. Seus espaços eram simétricos na composição da ruína que era.
Mantinha-se erguida como as ideologias dos homens e dava aos outros a mesmíssima tolice de não chegar a objetivo algum.
Mas lá estava ela. Estandarte da miséria dando a sensação de que o mundo ao seu redor poderia desmoronar sem que nela fosse acrescentada sequer uma rachadura.
Ana sentia aquela casa como um membro amputado seu que fora petrificado em seu caminho. Não sabia traduzir a saudade e a angústia que aquele objeto lhe causava, mas sua presença ali, sempre pontual na hora da passagem, lhe dizia sempre que não pedia compreensão. Pedia ser, apenas.
Adotou a casa sem importar-se com o porvir e armou-se com a segurança de ser possuidora de sua edificação, bastando. Tutora, não cuidou preservar o itinerário de suas idas e vindas.
Não era pé nem mão. A chegada se fazia mesmo sem que aquele membro lhe dissesse qualquer coisa todos os dias. Um dia, sentiu estar faltando alguma coisa no caminho. Quem sabe Drummond carregou sua pedra de vez, pensou.
Mas os tropeços de Ana se davam com intensidade cada vez maior. O poema estava finalizado e ela ainda não compreendia.
“Foi demolida durante a tarde de ontem a pequena casa abandonada que se encontrava no caminho Ouro Preto x Mariana.” Compreendeu. Sofrera um aborto.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009



Isso é só um jeitinho, prontamente necessário, de dizer o quanto te gosto e te gosto em tudo. Que o teu sorriso quente vem sempre comigo, mas que tenho medo de esquecê-lo por algum canto que eu vá e ache que seja você, pois não quero roubar nada, quero ter, apenas. E olha que esses cantos são puro fingimento! Eles se vestem de semelhanças só pra me terem ali, estando.

Acho que é birra por deixá-los empoeirar, por vezes. Não é maldade minha, sinto falta de fazê-los respirar. Mas é que o sopro meu pra eles me deixa fraca, por ser dado de um espaçamento que não me conforta ou cura, como devia.

Mas por que diabos esses cantos cismam em entrar em todos os meus cômodos? A casa teve que ser demolida, andem, vão embora!

Mas é que eu também não preciso das paredes, do chão, do teto. Sou pequena e um cantinho apenas já me basta. Basta que me queira.

terça-feira, 3 de novembro de 2009


Nesta segunda-feira, 02 de novembro, foi apresentada no quadro Literatura em Cena no Teatro Casa da Ópera o debate O desafio de idealizar e executar um caderno de cultura que contou com a participação de Álvaro Costa Silva, Jornal do Brasil; Fabrício Marques e Jaime Prado Gouvêa, ambos do Suplemento Literário, cuja mediação foi realizada por Marta Maia, docente da Universidade Federal de Ouro Preto.
Marta Maia abre a mesa fazendo alusão ao “leitor insônia”, aquele que não dorme, e o compara aos leitores esporádicos. Estes dois perfis destacam a questão de como se construir uma pauta em um caderno de cultura que seja capaz de ser compreendido por ambos. Álvaro Costa Silva aponta a funcionalidade de guia dos cadernos literários, que devem possuir uma pluralidade sempre que possível.
Fabrício Marques declara que se procura oferecer um texto balanceado, que não seja simplista e tampouco hermético. Jaime Prado Gouvêa diz da importância de se ter um equilíbrio de gêneros literários com o material acadêmico publicados.
Os cadernos literários foram de suma importância para as letras, especialmente na segunda metade do século XX. Autores cujas obras eram consagradas e novas gerações de escritores eram publicados lado a lado e eram divulgados através do veículo. Na sociedade dita pós-moderna, em que novas mídias dotam de autonomia os consumidores e democratizam o acesso à informação, é repensada a função dos cadernos de cultura.
Diante da questão, Gouvêa, que utiliza o exemplo concreto do Suplemento Literário, diz ser função do Suplemento deixar o campo aberto para publicações novas e para a divulgação de novos escritores. Dentro da abordagem, Álvaro declara: “o caminho para você continuar existindo é no meio impresso”.
A modernização dos meios e técnicas no campo comunicacional coloca em voga a discussão a respeito do novo jornalista que se configura neste meio. Sobre o assunto, Marques aponta “o fato dessa nova geração poder equilibrar a questão visual e textual, sua capacidade de observação e seu contato com a literatura” como aspectos positivos que, segundo ele, confrontam-se com o imediatismo exigido. Para Silva o que o incomoda é a ausência da aventura na reportagem e o contato estabelecido com outras pessoas prioritariamente por email e telefone.
Foi colocada em pauta também o que é veiculado nos jornais brasileiros e o conteúdo criado pela nova geração de escritores no país. Foi diagnosticado que quase 60% do espaço físico dos jornais é destinado ao entretenimento, o que levou à colocação dos autores em defesa de uma articulação entre o meio impresso e as novas mídias. O consenso não foi atingido quanto à literatura produzida hoje. Jaime Gouvêa e Fabrício Marques acreditam que há uma intensa produção, o que não traduz necessariamente uma melhora generalizada na literatura. Álvaro Silva diz haver “uma geração nova e interessante que busca seus caminhos”.
A fala de Fabrício Marques sintetiza o que foi explorado no debate: “a ênfase deve ser dada nas idéias, não importa o suporte utilizado”.
O caderno cultural Suplemento Literário pode ser adquirido gratuitamente pela página http://www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=6&con=21

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Literatura em outras linguagens

Mesa redonda do Fórum das Letras UFOP 2009

Na Igreja São Francisco, na cidade de Ouro Preto, nenhum objeto está disposto ao acaso. Tudo gira em torno de uma temática, o arrependimento. Há lá uma narrativa em forma de linguagem. Esta percepção foi compartilhada por Flávio Carneiro, ao abrir a mesa Literatura em outras Linguagens, em que estiveram presentes Adriana Lunardi, escritora; Jorge Díaz, espanhol que sonha ser considerado um honorável cidadão carioca, trabalha como roteirista e escritor; e Max Mallman, também roteirista e escritor.
Todos os autores caminham pelo romance, “uma forma literária propensa ao hibridismo”, segundo Flávio Carneiro e que possui a vantagem de, como gênero, tudo lhe caber, como pensa Adriana Lunardi. Em meio ao caleidoscópio de perspectivas aplicadas a diversas narrativas, pergunta-se se toda narrativa é literária.
Mallman declara que “a chave para o roteiro é a literatura, tudo são contar histórias”, quando se refere a essa forma narrativa que, segundo Díaz, nunca deve ser tida como concluída, precisando haver sempre um espaço para melhorá-la. No roteiro, as impressões literárias estão sempre cercadas pelo diretor, pelos atores e pela verba disponível para sua execução. No romance, que desde o século XIX ocupa lugar ilustre na literatura e que soube renovar-se para seu público, há intensa liberdade criativa, uma liberdade que “dá vertigem”, confessa Jorge Díaz. Carneiro expõe a contradição de que há certa imposição, principalmente do mercado editorial, de que os autores sempre falem dos mesmos assuntos.
Sobre a polêmica que gira em torno da caracterização de uma boa ou má literatura, foi levantada a importância da literatura popular para o amadurecimento de leitores. A análise da narrativa televisiva pôs em questão a validade da tradução literária nas telas e a posição da tevê como agregadora ou como dispersora de leitores. Sobre isso, Lunardi afirma que as pessoas têm necessidade de ficção, não importa em qual meio; e que essa questão é um enigma muito maior do que uma mera constatação estatística, referindo-se à audiência e à venda de livros. A liquidez do romance permite que linguagens de outras áreas, como a botânica e as artes plásticas apropriadas por Lunardi, adquiram a conotação literária.
A televisão, ainda que não mostre como exemplo cidadãos leitores, os atrai quando apresenta releituras de obras como “O primo Basílio”, de Eça de Queirós e “Gabriela”, de Jorge Amado. A acusação de que o Brasil é um país carente de leitores devido à importância dada pelos brasileiros para a televisão mostra-se falha quando constatamos que nunca se leu tanto e de maneira tão democrática, em que novos suportes dão mais acesso à informação, quanto hoje. Segundo Mallman, o romance pode canibalizar outros meios, e esta é uma relação recíproca.

Díaz afirma que as pessoas atribuem a promoção da educação e do hábito de leitura à tevê,uma função que, segundo ele, cabe à família e à escola. Lunardi afirma que é responsabilidade do governo dar acesso à leitura e se contradiz ao dizer posteriormente que “preservar a leitura cabe a quem lê e não ao Lula”. Como escritora que possui a liberdade de escrever o que gosta e de não se ater à audiência, “desacredito na superstição numérica; estamos falando de literatura ou de estruturas sociais?”, declara Lunardi.
A literatura, não importa em que linguagem seja apresentada, possui o poder orgânico de formação cidadã. Sua tradução em outros meios e o barateamento de livros são processos que democratizam o acesso à leitura.

colaboração: Marcela Servano